Manuel Santos Maia
A memória à escala de um Selo
Crítica por Maria do Mar Fazenda
L+arte nº 53 Outubro 2008

Manuel Santos Maia nasceu em Moçambique em 1970 e, no período da descolonização, em 1976, veio viver para Portugal. Este dado biográfico é decisivo para o desenrolar da prática artística e teórica que o artista tem vindo a desenvolver no seu ambicioso projecto intitulado alheava, iniciado em 1999. O tema central do seu discurso rapidamente emerge e ancora-se no legado das teorias pós-colonialista, mas através de uma visão e de um repensar feito na primeira pessoa, a partir da sua memória e de testemunhos de outros que lhe são próximos. As instalações do artista tendem a criar um ambiente de arquivo, quase pedagógico; é recorrente o uso de mesas envidraçadas que disponibilizam documentos (cartas, plantas, fotografias, etc.) pertencentes à família do artista, que, segundo uma nova organização, propõe a produção de um outro discurso. Na exposição “alheava _ o que há para esquecer” são apresentados três núcleos de trabalho: um que tem como base um livro de ensino; um vídeo comentado pelo pai do artista com imagens do seu arquivo pessoal; e, por último, uma proposta central que gira em torno de uma colecção de selos desde o período anterior à vida do artista (dos seus avós) até aos anos 80, numa correspondência entre Moçambique e Portugal. O selo e o postal (que também são apresentados) revelam-se como fortíssimos objectos-síntese da memória de uma relação entre dois territórios. Na pequena escala de um selo é concentrada a imposição colonialista (todos os selos até à Independência são portugueses, figurando um imaginário “lusitano”), num discurso ideológico que se vai alterando, depois da independência de Moçambique, na linguagem visual veiculada pelos selos. A propósito dos Jogos Olímpicos de Pequim foram editadas na China colecções de selos que esgotaram nos primeiros dias em que foram colocados à venda. Na fila para a aquisição dos selos, um senhor afirmava que estes irão permanecer como testemunhas de um evento para as gerações seguintes. A inscrição do supermediático acontecimento, forçosamente condicionada pelo sistema político, não passava pela ocupação visual do espaço público, mas pelo controlado e limitado espaço-memória à escala de um selo.