VEDUTA

Revista de Estudos em Património Cultural

apresentação do terceiro número da revista

no Centro Cultural Vila Flor

sexta-feira, dia 06 de Novembro, às 17h00,

(…) da responsabilidade d' A Oficina, têm como objectivo estimular a reflexão sobre o património cultural enquanto elemento-chave na definição da identidade colectiva. Com edição anual, a revista Veduta abre espaço à divulgação de alguns trabalhos de investigação que se têm desenvolvido dentro das várias vertentes do património móvel, imóvel e imaterial.

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ARTE E PATRIMÓNIO TRÊS ESCRITAS DA HISTÓRIA EM DIRECTO

por Rita Castro Neves (Artista plástica, curadora na área da Live Art e professora de fotografia e vídeo)

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Quando nos referimos a património

referimo-nos a um conjunto de monumentos,

documentos, objectos, factos que são aceites

por um conjunto de pessoas como fazendo

parte da história desse mesmo grupo. E que

nesse sentido deve ser preservado.

A arte contemporânea é de uma ordem

diferente, é como que um registo da ordem

da historiografia. Quando estamos perante

uma obra de arte contemporânea colocamos

frequentemente a questão: Estaremos

perante uma escrita da história?

(…)

O património individual do artista compõe-se

então do que este já fez no passado,

isto é, as suas temáticas e as diferentes

formas de as abordar (ângulos, materiais,

estratégias...), e influencia definitivamente

a sua criação presente e futura.

Partindo então do conceito de

historiografia enquanto processo de

escrita da história vamos debruçarmo-nos

sobre obras de arte contemporâneas que

reflectem sobre os efeitos da história e sua

influência na actualidade. Mais do que um

interesse histórico sobre uma temática o

que nos interessa é então um interesse

contemporâneo sobre algo que tem

origem no passado.

Na sequência destas reflexões

analisaremos três casos práticos de obras

e conjuntos de obras de três artistas

contemporâneos portugueses que têm

escolhido uma reflexão também política

sobre acontecimentos históricos.

Os trabalhos escolhidos para aqui são S

de Saudade de Paulo Mendes, alheava de

Manuel Santos Maia e Não Ponham Mais

Palavras na Minha Boca da minha autoria.

São trabalhos que abordam - de forma

diferente - o regime ditatorial de Oliveira

Salazar, a guerra colonial e a sua

influência na actualidade.

Sobre esta questão não se quer deixar de

referir a obra de José Gil Portugal, Hoje:

(…)

Manuel Santos Maia,

alheava (1999-2009)

Alheava é também um trabalho de vários

anos qu12 e questiona as imagens das

colónias numa perspectiva pessoal.

Como o próprio Manuel Santos Maia

afirma “o projecto pretende abordar o

alheamento de Portugal relativamente

ao passado colonial e pós-colonial”

num “processo de rememoração” que

“reivindica e contraria a simplificação da

versão oficial da história”13.

Confundindo de forma sistemática

informação familiar produzida à

época da guerra colonial e à época do

retorno, informação familiar produzida

actualmente, informação oficial da época

e informação actual, Manuel Santos Maia

tem vindo a dar visibilidade a uma ferida

nacional recente (e pessoal).

Tendo por base materiais como

livros, fotografias, objectos, móveis,

relíquias, filmes, vozes, discursos,

manuais escolares, desenhos, o artista

vai abordando a temática usando

suportes diferentes (desenho, fotografia,

projecção, som, teatro, escultura,

instalação de objectos, vitrinas, leituras,

performances...).

Para lá da dispersão dos suportes

assistimos também à dispersão das

mostras. Com efeito alheava é um

projecto que já participou em mais

de 43 exposições (entre colectivas e

individuais), em países como Noruega,

Espanha, Bélgica e Estados Unidos da

América e em cidades nacionais como o

Porto, Lisboa, Coimbra, Lagos, Oeiras,

Guimarães, Braga, Santo Tirso, Cascais,

entre outras. A dispersão geográfica

de alheava como que exige as suas

sinalizações num mapa, para não nos

perdermos.

“A segunda fase do projecto realizar-se-á

após a apresentação da totalidade das

mostras da primeira fase e compreende

uma viagem a Moçambique, ao país

representado no projecto “alheava”14.

Mais do que uma viagem (geográfica,

temporal, artística, pessoal) alheava é um

vaguear. As dispersões e alheamentos

acumulam sentidos na confusão típica

do estado de espírito de quem está em

conflito.

Categorias são criadas, tipos

estabelecidos, objectos dispostos e

museuficados. São estatutos novos para

objectos e imagens antigos que se tentam

desta forma rever e interpretar. Lançando

mão de uma estratégia arquivística e

cumulativa, o artista faz e refaz a história,

como quem faz e desfaz as malas.

A mais invisível das épocas da história

portuguesa é aqui constantemente

mostrada e revista, contra a amnésia

colectiva e familiar. Reencena-se a partir

de documentos históricos pré-existentes,

nitidamente porque a primeira fotografia

saiu mal.

12 Alheava iniciou-se em 1999 quando Manuel Santos Maia

ainda era estudante da Escola Superior de Belas Artes da

Universidade do Porto.

13 Retirado do texto do artista publicado no seu site e em

Propostas da Arte Contemporânea Posição: 2007, Miguel

von Hafe Pérez (ed.), 2007, Porto, Fundação de Serralves/

Público, Colecção de Arte Contemporânea Público Serralves,

p.86, 158 pp.

14 Idem.

15 Site-specific é um termo anglo-saxónico comummente

utilizado a partir dos anos 70 do séc. XX para designar obras

de arte que são feitas para a especificidade geográfica,

temática, histórica, política, estética de um local.